segunda-feira, 20 de setembro de 2010

DESLIZAMENTOS, uma catástrofe natural

Referência bibliográfica: Meneses, B.M. (2010). Deslizamentos, uma catástrofe natural. Relatório apresentado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Os movimentos de vertente têm sido alvo de estudo, devido às consequências resultantes da sua ocorrência, destacando-se aqui as Ciências da Terra. Estando os deslizamentos inseridos neste conjunto, é um dos movimentos mais estudados, principalmente os de maior dimensão, considerados geralmente como uma catástrofe natural. O exemplo do deslizamento da Ilha de Leyte nas Filipinas em 2006 é um dos mais marcantes, ao retirar a vida a 1100 pessoas. Existem outros, como o de Rio de Janeiro em Abril de 2010 (240 vitimas mortais), Uganda em Março de 2010 (54 mortes), entre outros. Também são responsáveis por causar elevados prejuízos materiais, tanto nas infra-estruturas, como na agricultura, onde grande parte das culturas é destruída.


É necessário haver a tomada de consciência da importância do tema para o ordenamento do território e o investimento em sistemas de alerta, de forma a minimizar estas consequências. Neste sentido, a aposta no conhecimento científico também é importante, visto que o risco de deslizamento a nível mundial está atribuído a uma área considerável.
Fig. 1 – Risco de deslizamento a nível mundial. Adaptado de: http://earthobservatory.nasa.gov/IOTD/view.php?id=7783

Os deslizamentos


A ocupação de áreas susceptíveis de ocorrer um fenómeno potencialmente devastador, como os deslizamentos, tem constituído uma preocupação geral, na tentativa de minimizar prejuízos materiais e, sobretudo evitar a perda de vidas humanas. O interesse da identificação de áreas sensíveis assume elevada importância, face há ocupação desajustada do território que constitui um factor determinante na ocorrência e intensificação das catástrofes naturais (REIS, 2003).
Um deslizamento (slide) pode definir-se como “…um movimento de solo ou rocha que ocorre ao longo de um plano de ruptura ou de zonas relativamente estreitas, alvo de intensa deformação tangencial…” (ZÊZERE, 1997).

Este movimento ocorre ao longo de um plano de inclinação de uma vertente, quando existe um desequilíbrio na distribuição de forças ao longo de uma determinada superfície (Fig. 2), fazendo com que as forças actuantes (as que favorecem o deslizamento) sejam superiores as forças resistentes (MATOS, 2008).
Fig. 2 – Representação de forças exercidas num deslizamento. 1 – Tensão tangencial;    2 – Resistência ao corte (coesão, fricção).

FACTORES RESPONSÁVEIS pela redução da resistência ao corte são essencialmente a meteorização física e química das rochas, embebimento (saturação em água) e redução da pressão intergranular efectiva; enquanto os factores responsáveis pelo aumento da tensão tangencial estão ligados ao levantamento ou basculamento tectónico, remoção do suporte basal (natural, como por exemplo erosão marinha, fluvial, glaciária, ou artificial, devido à intervenção antrópica, por exemplo escavações), aumento da carga (natural, por infiltração de água, actividades vulcânicas, vegetação e artificial, tipo construções, aterros, e outros) e tensão transitória (natural, como por exemplo os sismos e artificial, exemplo as detonações de explosivos, tráfego rodoviário, entre outros.
Dependendo da ruptura tangencial ou geometria da superfície a que dão origem, os deslizamentos podem ser classificados em dois tipos: rotacionais ou translacionais. Para que ocorra um deslizamento são considerados os factores condicionantes e os desencadeantes. Nos primeiros, considera-se as características do terreno como factores de propensão à ocorrência do deslizamento, tendo em conta os factores preliminares que promovem a redução da estabilidade, sem desencadear o movimento, enquanto os factores que o desencadeiam são os processos físicos, geomorfológicos e antrópicos.
A litologia, morfologia das vertentes, cobertura vegetal, estrutura geológica, entre outros, são factores que determinam o grau de susceptibilidade do território à instabilidade e ainda a sua variação espacial. As causas que levam ao desencadear do movimento são principalmente a precipitação, os sismos, a variação do nível freático, a fusão da neve e gelo, erupções vulcânicas, entre outros.
Os movimentos de vertente, podem se caracterizados em função de um factor de segurança (F) das vertente:


Se o resultado de F for superior a 1, corresponde a uma vertente estável, se for igual ou inferior a 1, corresponde a uma vertente instável.
Em função do material afectado, considera-se os deslizamentos de rocha (rockslides), de detritos (debris slides) e lamacentos (mudslides), conforme os exemplos das Figuras 3, 4 e 5, respectivamente.


Fig. 3- Deslizamento de rocha.


Fig. 4- Deslizamento de detritos.


 
 
Fig. 5- Deslizamento lamacento.






Deslizamentos Rotacionais

Os deslizamentos rotacionais (slumps), ocorrem ao longo de superfícies de ruptura curvas, com um abatimento a montante e um levantamento a jusante, sucedendo, geralmente, em meios homogéneos e isotrópicos. Neste tipo de movimentos, as massas de solo ou rocha deslizam sob a superfície de ruptura, predispostas pela perda de resistência ao corte, com a secção transversal curva e côncava.
Quanto à ruptura, esta pode ser superficial ou profunda, desencadeando-se na primeira um deslizamento superficial associado geralmente a períodos curtos de precipitação muito elevada, enquanto os deslizamentos com plano de ruptura profundo estão associados a períodos de precipitação mais prolongados, podendo o deslizamento acontecer alguns dias após o período chuvoso.
Conforme representado na Figura 6, podem ser classificados como simples, quando a massa se move numa única unidade ao longo da superfície de deslizamento; múltiplo se verificar que o deslizamento tem várias unidades semelhantes ao anterior e sucessivos, quando há sucessivas rupturas ao longo de um plano lateral, geralmente de pequena profundidade. Ocorrem predominantemente em argilas fissuradas (MATOS, 2008).

Fig. 6 - Diferentes tipos de deslizamentos rotacionais. A – simples; B – múltiplo; C – sucessivo.

Na Figura 7 está representada a classificação e morfologia interna de um deslizamento rotacional, podendo observar-se como se desenvolve o movimento da massa e as formas originadas por esta. No sector frontal, forma-se um aclive, resultado do levantamento da massa por rotação, fazendo com que a instabilidade de prolongue no tempo pela retenção de água. Daí a importância de intervir rapidamente sobre estas áreas, principalmente na drenagem da água retida no solo e a acumulada nesta depressão, de forma a evitar o desencadeamento de um novo deslizamento.


Fig. 7 – Esquema de um deslizamento rotacional em perfil e em plano (adaptado de ZÊZERE, 1997).
1 – cabeceira; 2 – cabeça; 3 – corpo principal; 4 – pé; 5 – cicatriz principal; 6 – topo; 7 – plano de ruptura; 8 – aclive; 9 – superfície de separação; 10 – extremidade jusante; 11 – frente; 12 – limite jusante do plano de ruptura; 13 - comprimento total.

Dos vários exemplos de deslizamentos a nível mundial, seleccionou-se os deslizamentos a NE da localidade La Conchita na Califórnia. O primeiro ocorreu a 4 de Março de 1995 (Fig. 8), não se registando vítimas, devido à reduzida velocidade do movimento da massa (pouca plasticidade), permitindo evacuar as pessoas em segurança, do qual resultou apenas danos materiais. Segundo JIBSON (2005), este ano registou-se o dobro da precipitação em relação à média das chuvas sazonais (390mm), originando a saturação dos solos, o que levou ao desencadeamento deste deslizamento.


Fig. 8 – Deslizamento a NE da localidade La Conchita (10 de Janeiro de 1995).
Fonte:http://3dparks.wr.usgs.gov

Fig. 9 – Mapa topográfico com a representação dos deslizamentos a NE de La Conchita. A azul o de 1995 e a amarelo o de 2005. Fonte: JIBSON, 2005.


Em 1994, detectou-se as primeiras estrias (slickensides) a montante do deslizamento marcado a azul na Figura 9, que, segundo este autor, favoreceram o escoamento da água da precipitação para o subsolo, desencadeando vários deslizamentos de pequenas dimensões. Estas estrias contribuíram, pelo mesmo processo, para o desencadeamento do grande deslizamento de 1995.
A 10 de Janeiro de 2005 aconteceu novo deslizamento (Fig. 10) na massa anteriormente deslizada, mas desta vez teve consequências catastróficas. A elevada precipitação registada num período muito curto, aumentou a plasticidade da massa já instabilizada, desencadeando-se um deslizamento rápido, sem hipótese de fuga da população. Resultado, 10 mortes e 36 habitações destruídas.

Fig. 10 – Reactivação de antigo deslizamento a NE da localidade La Conchita na Califórnia (2005).

Pela elevada percentagem de água na massa instabilizada, composição do material (maioritariamente argila e silte, com algum cascalho e calhaus) e pela remoção do material na extremidade jusante do deslizamento de 1995, o material agora deslizado evoluiu para uma escoada de detritos no sector final, entrando pelas ruas da localidade. Este movimento foi muito rápido, estimado por JIBSON (2005) na ordem dos 10m/s, de acordo com os cálculos feitos a partir de uma gravação de vídeo in loco. Este é um bom exemplo de um local onde podem ocorrer diferentes tipos de movimentos com períodos distintos e com consequências bem diferentes, destacando-se a falta de monitorização e desordenamento do território, no que respeita à determinação de áreas de risco.

PORTUGAL, tem registo de alguns eventos deste tipo de deslizamentos. O caso de Alrota em 2001 foi um dos mais representativos, quando parte da estrada foi destruída (Fig. 11), tornando-a intransitável.

Fig. 11 – Deslizamento na Serra de Alrota (2001). Fonte: Comissão Social da Freguesia de Bucelas.

Foi um ano hidrológico muito chuvoso, registando-se na estação de Pragança (município de Loures), valores superiores face aos anteriores. No mês mais chuvoso (Dezembro) observou-se valores de precipitação na ordem dos 400 mm (Fig. 12).

Fig. 12 – Precipitação mensal e acumulada registada na estação de Pragança no ano hidrológico 2000/2001. Fonte: http://snirh.pt

Grande parte da população local foi afectada, pelo desvio obrigatório nas suas deslocações. Foi necessário intervir, através da construção de diques artificiais para drenar a área e gabiões, para que este episódio não se repetisse novamente. Os custos ascenderam aos milhares de euros. O caso da localidade do Casal da Portela, também em 2001, embora não seja um deslizamento com grandes dimensões de área afectada, destruiu uma habitação.

Fig. 13 – Deslizamento na localidade Casal da Portela (2001).
Fonte: Comissão Social da Freguesia de Bucelas.

O deslizamento que ocorreu junto à CREL (Circular Regional Exterior de Lisboa) em 2010 deu-se num terreno composto essencialmente por aterro e entulho. É uma área mal drenada e com material mal compactado, que se instabilizou num deslizamento rotacional, podendo observar-se na Figura 14, um abatimento a montante e levantamento a jusante, formas típicas destes movimentos. O corte desta estrada afectou de forma directa todos os utentes desta via e de forma indirecta, todos os que são perturbados pelo trânsito daqui desviado, além de outros custos associados indirectamente.

Fig. 14 – Deslizamento rotacional junto à CREL em 2010. Fonte: http://dn.sapo.pt/


Deslizamentos Translacionais

A) Com ruptura compósita

Os deslizamentos com ruptura compósita estão na transição entre os deslizamentos rotacionais e os translacionais mais típicos (planares). O plano de ruptura deste deslizamento apresenta duas secções: uma forma circular ou planar a montante com forte inclinação e outra a jusante com inclinação mais reduzida (ZÊZERE, 2000), conforme representado na Figura 15.

Fig. 15 – Esquema de um deslizamento translacional com ruptura compósito.

No deslizamento da Figura 16, pode observar-se as formas de um deslizamento translacional, com uma cicatriz principal bem definida e a extensão da massa deslizada ao longo do plano de ruptura.

Fig. 16 – Deslizamento translacional com ruptura compósito. Fonte: www.qub.ac.uk/geomaterials.html

Contudo, este tipo de deslizamentos pode ocorrer em locais distintos, com características geológicas e geomorfológicas muito diferentes, dando por vezes uma percepção errada do seu movimento e paralelamente uma classificação errónea. O esquema da Figura 17 evidencia esta constatação, ao observar-se que o deslizamento de massa causou um abatimento a montante, originando um fosso (graben), do qual resultou uma escarpa e um contraescarpado, com deslocação dos blocos para jusante.

Fig. 17 – Esquema de um deslizamento translacional com ruptura compósito.

B) Com ruptura planar

Ocorrem ao logo de superfícies de ruptura planares ou pouco onduladas, deslizando a massa para além do limite a jusante do plano de ruptura (VARNES, 1978), conforme o esquema da Figura 18.

Fig. 18 – Esquema de um deslizamento translacional com ruptura planar.

A intervenções nas vertentes, para a construção de estradas ou outro tipo de infraestrutura, tem originado alguns deslizamentos, como os representados na Figura 19, verificando-se no caso A um deslizamento translacional com ruptura planar em rocha perto de Porteau Cove (Canadá) em 2008, onde se pode observar que a descontinuidade estrutural é concordante com o declive, mas com um plano de estratificação inferior a este, onde os blocos deslizados ultrapassaram os limites do plano de ruptura, tornando a estrada que liga Vancouver a Whistler intransitável. No caso B, este deslizamento desencadeou-se devido a um terramoto com epicentro a 11 Km da cidade de Ojiya (Japão) em 2004, destruindo totalmente a estrada 421, causando vítimas mortais (automobilistas que ali circulavam).

Fig. 19 – Deslizamentos translacionais com ruptura planar.
A – Porteau Cove (Canadá) – 2008. Fonte: http://toronto.ctv.ca/
B – Estrada 421 junto ao Rio Shinano (Japão) – 2004. Fonte: http://www.geerassociation.org/

Geralmente estes deslizamentos de rocha estão associados ao contexto montanhoso, onde as vertentes têm declives bastante acentuados.


Risco

A definição de risco é expresso segundo VARNES, HANSEN e HARTLÉN (citados em ZÊZERE, 1997), como a “…possibilidade de ocorrência de consequências gravosa, económicas ou mesmo para a segurança das pessoas, em resultado do desencadeamento de um fenómeno natural ou induzido pela actividade antrópica…”. Este autor calcula o risco segundo a expressão:
R=V*P*E
R é o risco, obtido pela multiplicação de P (perigosidade) por V (vulnerabilidade) e E (valor dos elementos vulneráveis). Pela multiplicação da V e E obtém-se o dano potencial.

Pode calcular-se o risco específico para cada elemento em risco através da multiplicação de P por V. No risco total considera-se o número de mortos e feridos expectáveis e prejuízos materiais directos e indirectos devido à ocorrência de fenómeno natural, como um deslizamento (ZÊZERE, 1997). Assim interessa perceber qual o tipo de deslizamento que pode ocorrer e onde, compreendendo-se, também, até onde pode ocorrer e quando, entendendo-se estes dois últimos pontos como perigosidade (definida como a

Fig. 20 – Esquema conceptual de classificação de vulnerabilidade (adaptado de VASCONCELOS, 2002).

probabilidade de ocorrência de um determinado fenómeno potencialmente destruidor num período de tempo numa dada área), enquanto a vulnerabilidade (definida segundo VASCONCELOS (2002), como o grau de perda de um elemento em risco, em resultado de um fenómeno natural, com determinada magnitude) pode incluir questões do tipo como irá decorrer o deslizamento, quem irá ser afectado e o quê. Por último, considera-se os elementos vulneráveis num dado território (população, equipamentos, propriedades, actividades económicas, entre outros) e qual o seu valor, ou seja, quanto custa cada elemento (IUGS, 1997).
VASCONCELOS (2002) adoptou uma metodologia de classificação da vulnerabilidade, que reflecte a proporção de indivíduos e elementos patrimoniais potencialmente afectados por um deslizamento (Fig. 20).
Contudo, a complexidade na aceitação do risco é muito diferenciável de pessoa para pessoa, muitas das vezes considerado como não aceitável apenas, quando há perda de vidas humanas.


Ordenamento do Território e Protecção Civil

Quanto aos vários conceitos de risco definidos actualmente pela ciência, nem todos são produto com o mesmo tipo de interesse para o Ordenamento do Território (OT) e Protecção Civil (PC). O interesse da PC é sobretudo o resultado final da avaliação de susceptibilidade, que se traduzirá em cartografia de risco, embora este conceito de risco seja muitas vezes entendido como sinónimo de susceptibilidade e perigosidade. A susceptibilidade deve ser entendida como as áreas afectadas em caso de acontecer determinado evento, como por exemplo, um deslizamento, enquanto a perigosidade pode traduzir-se como o período de retorno para o acontecimento desse evento.
O objectivo do OT, através de medidas de planeamento, deve centrar-se também na prevenção do risco e evitar que determinado problema ocorra. Daqui nasce a importância da determinação de susceptibilidade de ocorrência de determinado evento numa certa área, para que os decisores, mediante estes resultados possam actuar coerentemente e que este conhecimento se traduza nos Instrumentos de Gestão Territorial (IGT), ou seja, não planear construção para áreas susceptíveis à ocorrência de deslizamentos, entendendo-se esta como uma medida politica preventiva, evitando-se perdas humanas e prejuízos materiais.
Por outro lado, surge a aceitação do risco, e a mitigação. Pode-se mitigar através da redução da perigosidade, dos valores em risco e da vulnerabilidade (medidas estruturais defensivas, sistemas de alerta, planos de emergência e socorro). O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO PROCURA, SOBRETUDO, EVITAR O RISCO, através do zonamento da perigosidade (evacuação de áreas perigosas e procura de localizações alternativas, interdição à expansão ou limitação urbanística em zonas consideradas perigosas e definição de utilização de áreas apropriadas consoante a perigosidade que a caracteriza).

Referência aos Riscos na Legislação Portuguesa e nos Instrumentos de Gestão Territorial

O conjunto de documentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 380/99, define-se como Instrumentos de Gestão Territorial, onde se descrevem algumas das principais regras sobre o planeamento e ordenamento do território de Portugal. Os IGT devem estabelecer os comportamentos susceptíveis de imposição aos utilizadores do solo, tendo em conta os riscos para o interesse público relativo à protecção civil, designadamente nos domínios da construção de infra-estruturas, realização de medidas de ordenamento e da sujeição a programas de fiscalização.
Na legislação, nomeadamente dos objectivos da PC (Lei 27/2006) define-se, essencialmente, a prevenção de riscos colectivos e a ocorrência de acidente grave ou de catástrofe dela resultante, mencionando ainda que devem atenuar-se estes riscos e limitar os seus efeitos. No entanto, nas políticas e operações da PC, há uma omissão sobre questões de prevenção, da qual resultam planos de emergência (medidas reactivas), quando a prevenção pode ser vista como uma forma de evitar, em caso de haver um evento, danos materiais e exposição da população, ou seja, devem preocupar-se com a mitigação, mas também com a prevenção. Geralmente, nunca são retiradas consequências da realização das actividades preventivas no que respeita ao OT, facto que limita drasticamente o seu alcance. Na Lei de Bases da PC há, também, uma falta de clareza no que respeita à definição de conceitos.
O Artigo 26.º da Lei anteriormente mencionada, constitui a primeira medida de articulação entre PC e OT, visto que em Resolução de Conselho de Ministros ao ser declarada a situação de calamidade, há suspensão dos planos municipais e planos especiais de OT em vigor, devendo ser alterados tendo em conta os riscos para o interesse público relativo à PC. No entanto, é mais uma medida reactiva, uma vez que só é levada em conta, aquando da ocorrência de uma calamidade.
O risco obtém-se, como referido no ponto 3, pela multiplicação da perigosidade (se o fenómeno ocorre ou não, compreendido entre 0 e 1, respectivamente), vulnerabilidade (ex. qual o grau ou dano de uma infra-estrutura afectada em caso de haver um evento, também compreendido entre 0 e 1, ou seja, ausência de danos e perda total, respectivamente) e o valor económico (LEONE, 2007).
Na Reserva Ecológica Nacional (Decreto-Lei n.º 166/2008) faz-se referência aos riscos na política de protecção dos valores ecológicos, tendo esta como principais objectivos a prevenção e redução dos efeitos da degradação da recarga de aquíferos, riscos de inundação costeira, cheia, erosão hídrica dos solos e movimentos de massa em vertentes. Contudo, existem algumas excepções para a não inclusão de zonas de risco no âmbito da REN, como a restrição do mesmo tipo de utilização entre território de risco e territórios classificados como reserva ecológica, ou quando um território é classificado como perigoso, não devendo ser classificado como tendo um elevado valor ecológico e, há ainda a redutora inclusão nesta Reserva, de todo o tipo de riscos, que se verificam no território.
Nos IGT, parte-se das orientações mencionadas no PNPOT , onde são indicados os grandes problemas que o território apresenta, tais como degradação do solo, qualidade da água e riscos de desertificação, movimentos de massa, entre outros, mencionando ainda objectivos estratégicos e específicos no ordenamento do território. Segundo JULIÃO (2009), “…foi o primeiro instrumento de gestão territorial moderno que expressamente considerou os riscos e as vulnerabilidades territoriais na definição do modelo territorial…”). No entanto, estes planos nacionais e planos regionais (PROT), não vinculam directamente os privados (vinculados apenas por planos municipais), somente as entidades públicas, surgindo daqui a preocupação de se mencionar no PNPOT orientações para outros IGT de ordem inferior, na incorporação dos riscos naturais, ambientais e tecnológicos, como é exemplo, a delimitação de áreas susceptíveis à ocorrência de deslizamentos em sede de PMOT, entre outras.


Elaboração de Cartografia

Os riscos de movimentação de materiais em vertentes, e particularmente os movimentos em massa, são de cartografia mais delicada dada a complexa interacção dos factores que os favorecem, condicionam ou desencadeiam”. CUNHA, 2001 (p.8).

Segundo BATEIRA (2003) “a produção de cartografia dos riscos naturais relativos a movimentos de vertente depende, em larga medida, do conhecimento dos factores permanentes…”. A elaboração de cartografia de riscos naturais, principalmente a de susceptibilidade de ocorrência de deslizamentos, tem um papel fundamental no ordenamento do território.
A avaliação de perigosidade geomorfológica associada aos movimentos de vertente predictos numa área, segundo HARTELÉN (1988), citado por ZÊZERE (1997), deveria reflectir no que seria o “mapa ideal”, a probabilidade espacial e temporal, o tipo, a magnitude, a velocidade, a deslocação horizontal e limite de retrogressão.
ZÊZERE (1997) considera três fases fundamentais na avaliação de perigosidade. A primeira passa pela inventariação e análise das manifestações de instabilidade já verificadas numa determinada área; já a segunda passa por identificar os factores condicionantes e desencadeantes responsáveis pelo aparecimento ou aceleração dos movimentos e por último, a interpretação dos factores com base no conhecimento científico e implementação de modelos que considerem os mecanismos detectados e as regras da experiência acumulada. Este autor estabelece dois tipos de determinação de perigo nos movimentos de vertente, divididos em avaliação relativa e absoluta (Fig. 21). Nos primeiros, considera-se a cartografia directa (método geomorfológico), caracterizado por uma avaliação qualitativa de perigo, assente no conhecimento do geomorfólogo que faz o levantamento de campo e determina os factores de instabilidade, enquanto na cartografia indirecta, se baseia nas causas de instabilidade, permitindo identificar parâmetros que controlam o movimento, possibilitando a construção de modelos e simulações de movimentos de vertente, resultando as localizações de maior perigo.

Fig. 21 – Metodologias de avaliação da perigosidade geomorfológica (adaptado de ZÊZERE, 1997)

Na análise estatística recorre-se a métodos bivariados, onde é sempre necessário o levantamento dos deslizamentos no campo (inventariação dos movimentos), calculando-se, posteriormente, a relação condicionante entre as diversas variáveis com o deslizamento, resultando no final um mapa (Fig 22) com valores reclassificados (tabulados, ou seja, a percentagem de cada classe que se insere dentro da área do deslizamento). Nos métodos multivariados, estabelece-se o peso que cada variável tem na regressão logística.

Fig. 22 – Modelo de classificação estatística de perigo de movimentos de vertente (método bivariado).

Nos métodos absolutos, inclui-se os estudos geotécnicos (estudos de pormenor), com resultados extrapoláveis a áreas mais extensas, os modelos determinísticos, assentes nas leis físicas e mecânicas, também extrapoláveis e, por último, os modelos probabilísticos, onde o risco é considerado como uma variável aleatória, regida por funções de probabilidade (ZÊZERE, 1997).
Relativamente à legenda, deve ser muito simplificada. Geralmente, a divisão de classes é muito discutível, porque ao dividir-se por exemplo em três (baixo, médio e elevado), questiona-se se a classe intermédia é necessária ou não. As áreas que apresentam um risco de ocorrência de deslizamento muito elevada, associada à falta de recursos (económicos, humanos, …) devem ser alvo de maior preocupação e intervenção, não se justificando, neste sentido, a existência da classe intermédia.

Considerações finais

OS DESLIZAMENTOS SÃO CONSIDERADOS UMA CATÁSTROFE se ocorrer danos materiais, ou causar vítimas. Geralmente, os deslizamentos noticiados são os que causaram elevados prejuízos materiais ou mortes. No entanto, ocorrem vários deslizamentos de pequenas dimensões, que nunca serão conhecidos, mas são um testemunho da dinâmica de vertentes.
A definição de áreas de perigo devido à ocorrência de deslizamentos deve ser feita sempre que haja ameaça potencial das populações e do seu bem-estar, enquanto a classificação de áreas de risco, deve ser feita sempre que haja a probabilidade de ocorrência de deslizamento, ou esteja exposto ao mesmo.
A cartografia dos riscos assume elevada importância no ordenamento do território, por um lado, na restrição ou condicionamento de construção e, por outro, na definição de áreas críticas com risco mais elevado, auxiliando as decisões no planeamento do território e as entidades responsáveis pela prevenção e reacção a acidentes graves e catástrofes naturais, como um deslizamento. É NECESSÁRIO CONSCIENCIALIZAR AS POPULAÇÕES E OS DECISORES, QUE ESTES EVENTOS TÊM CONSEQUÊNCIAS MUITO GRAVES.

Fig. 23 – Habitantes a abandonarem a localidade da Portela (Arcos de Valdevez), depois do movimento de massa, que ocorreu no ano 2000 e destruiu grande parte das habitações.

Fig. 24 – Vítimas de um deslizamento no Rio de Janeiro, ocorrido em Abril de 2010.
Fonte: http://www.jornal.us/


Referências Bibliográficas

BATEIRA, C. et al (2003) – Os problemas da cartografia dos riscos naturais. Contributos para a definição da susceptibilidade geomorfológica a partir da observação de vários movimentos de vertente ocorridos a Norte de Portugal. Territorium, pp. 10-19.

Comissão Social da Freguesia de Bucelas (2007) - Deslizamento de terras e desflorestação em Bucelas. Rede Social no Concelho de Loures.

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FERREIRA, A. et al (2005) Movimentos de vertente. In Geografia de Portugal, Cap. 6, pp.198-208.

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ZÊZERE, José Luís (1997) – Movimentos de Vertente e Perigosidade Geomorfológica na Região a Norte de Lisboa. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa.

ZÊZERE, José Luís (2000) – A Classificação dos Movimentos de Vertente Tipologia, Actividade e Morfologia. Apontamentos de Geografia – Série de Investigação: N.º6. Centro de Estudos Geográficos, Lisboa.

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